1. Mensagem de António Martins de Matos [ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref; membro da nossa Tabanca Grande]
Data: 10 de julho de 2016 às 16:03
Assunto: Blindados
Caro amigo:
Vi ontem no canal
Memória da RTP a repetição de um episódio do Joaquim Furtado, onde refere a cerimónia da "Independência da Guiné", ocorrida na área libertada do Boé (dizem eles), no Boé da vizinha Guiné-Conacri (digo eu).
Nesse filme aparecem 2 viaturas de transporte de pessoal acompanhando o desfile das forças em parada.
Farto das conversas sobre Migs, (que sim, que não, que talvez…) e porque penso que, até agora, nunca se falou sobre a estória dos blindados PAIGC, talvez seja a altura de abordar o assunto.
Para inicio do tema, já sabemos que "alguém" lhes deu o diesel e um outro "alguém" lhes forneceu os mapas, (tudo pessoal amigo), aqui deixo o repto.
Blindados PAIGC:
Desde quando? Que tipo? Armados? Só para transporte de pessoal?
Empregues onde?
Quem os viu em operações? VIU DE VER e não de ouvir, que ruídos na noite... propagam-se facilmente (moro a 6 quilómetros do aeroporto de Lisboa e, de noite, oiço o C-130 da FAP a pôr em marcha)
Abraços
AMM
2. Comentário do editor:
António, obrigado pela tua sugestão. Boa sugestão de verão, em que é preciso continuar a alimentar o blogue, apesar da modorra e
preguicite aguda que nos dá nesta estação do ano...
Na realidade, pouco se tem escrito, aqui, sobre as tais viaturas blindadas do PAIGC. Há uma ou outra referência. Tudo indica que o PAIGC já as tivesse, no final da guerra, estacionadas do outro lado da fronteira (na Guiné-Conacri)... Teria uma ou a outra à experiência, e para "tuga ver" ou "sueco ver".... O problema devia ser a
falta de unhas para as conduzir e manobrar... Terão sido usadas (mal) contra Copá (em 7/1/1974) e em Bedanda (em 31/3/1974).n Em Copá custou a vida aio comandante das forças atacantes, Mamadu Cassambá.
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O alf mil António Graça de Abreu e o asp mil Miguel
Champalimaud, do CAOP1, em janeiro de 1974,
no aeroporto de Cufar. Foto de A, Graça de Abreu (2012)
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Uma dessas referências, às famosas viaturas blindadas do PAIGC, é do nosso amigo e camarada (e grã-tabanqueiro de longa data)
António Graça de Abreu, ex-al mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74).
Ele estava perto, em Cufar, quando Bedanda foi atacada, em 31 de março de 1974, com morteiros 120 mm, foguetões 122 mm, RPG2 e RPG7, armas automáticas e outras armas pesadas em duas viaturas blindadas do tipo autometralhadora:
(...) Cufar, 3 de Abril de 1974
A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.
Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar.
Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.
Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.
Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.
Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.
Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)
Fonte: António Graça de Abreu,
Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, p. 220. (**) [Imagem da capa do livro, à direita]
Há um comentário ao Poste P9375 (*) do nosso leitor
António Rodrigues (, de Vila Real, e que se apresenta como alferes mil, colocado em Bedanda naquela altura, e a quem convidadamos para "dar a cara" e um dia destes se sentar aqui connosco, à sombra do poilão da Tabanca Grande):
Caros camaradas: Estava colocado em Bedanda aquando do ataque com viaturas blindadas, onde era alferes miliciano. As viaturas com que fomos atacados eram as BTR 152 (soviéticas), equipadas com metralhadoras. A sua quase entrada no perímetro deveu-se ao facto de elas terem atacado a partir da zona onde se situavam as tabancas da população civil e isso impedir que quer as "bazookas" quer os canhões sem recuo [tenham ripostado]. Abraços, António Rodrigues.
Outro
António Rodrigues, mas, esse, nosso grã-tabanqueiro, registado, e um dos bravos de Copá, ex-sold cond auto da 1ª CCAV / BCAV 8323 ( Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 1973/74), autor da notável série "Memórias de Copá" (de que se publicaram pelo menos 6 postes), escreveu aqui o seguinte (**)
(...) Ora nós em Copá, no dia 7 para 8 de Janeiro de 74, enfrentámos o assalto do PAIGC ao nosso aquartelamento, precisamente com dois blindados, um dos quais chegou a entrar dentro do aquartelamento e nós na altura, só com 27 homens (bazucas uma) e muita sorte, lá os conseguimos repelir.
(...) Soube recentemente, através de uma pessoa que se deslocou à Guiné e a Copá e falou com os guerrilheiros da altura, que lhe disseram que, durante os combates na noite de 7 para 8 de Janeiro de 74, com carros de combate do PAIGC, lhes matamos o comandante que os comandava nessa noite. E a minha conclusão é que esta foi mais uma razão para eles retirarem ao fim de 01,10 horas e assim termos escapado a uma quase eminente captura. (...) .
Ramón Pérez Cabrera, em "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), tem um capítulo sobre a guerra na Guiné (pp. 135-184) e a participação dos "internacionalistas" cubanos.
A Op Abel Djassi [, nome de guerra de Amílcar Cabral], na sua 2ª fase (época seca de 1973/74) é descrita com detalhe: o início da operação começa justamente a 3/1/1974, com a ofensiva contra Copá, por intermédio de forças de infantaria e artilharia, "apoiadas por quatro blindados (...) BTR".
O comandante das FARP era Mamadu Cassamba que, "tripulando um dos BTR, penetrou temerariamente na instalação militar"... Teve o azar do seu BTR acionar uma mina A/C que lhe causou a morte instantânea. As forças do PAIGC conseguiram resgatar o veículo e, dentro dele, o cadáver do seu comandante.
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Uma das raras fotos de viaturas blindadas, alegadamente ao
ao serviço do PAIGC no final da guerra. Foto (pormenor) do
Arquivo Mário Pino de Andrade / Casa Comum /
Fundação Mário «Soares. Clicar aqui para ver o original.
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Face a esta grande contrariedade, o comandante da Frente Leste, Paulo Correia, mandou suspender os assaltos com a infantaria, continuando com as flagelações da artilharia, durante todo o mês de janeiro, até que as NT, como é sabido, abandonam Copá em 12/13 de fevereiro de 1974, por ordem do Com-Chefe.
Nesta 2ª fase da Op Djassi (a primeira tem a ver como os três G - Guidaje, Guileje e Gadamael, maio / junho de 1973, ainda no tempo do Spínola), Ramon Pérez Cabrera diz que participaram "14 internacionalistas cubanos", um dos quais, um jovem oficial que tinha partido de Cuba por via aérea em 13/12/1973, e que vai encontrar a morte nas imediações de Copá (ou de Canquelifá ?), às 8 da manhã do dia 8 (ou 7 ?) de janeiro de 1974, surpreendido por tropas portuguesas.
O seu corpo terá do "levado para Buruntuma", mutilado e exumado, diz Ramón Pérez Cabrera. [Tratar-se-ia, quanto a nós, da mesma emboscada em que terá sido apanhado vivo,
o caboverdiano Jaime Mota, 1940-1974, alegadamente executado depois. Ramón Maestre Infante terá sido o último dos 9 internacionalistas cubanos a morrer na "guerra de liberación" da Guiné-Bissau. Enfim, mais um caso para alimentar a nossa série Controvérsias (***)], e o nosso Jorge Araújo vai, por certo, querer explorar, ele que agora tem em mãos o "dossiê médicos cubanos"..
Excerto de: Ramón Pérez Caberra - "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), p. 1979 [Com a devida vénia...Sublinhados nossos] [Extensas partes do livro podem ser consultadas, em modo de pré-visualização, no portal da Kilibro]
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Notas do editor:
(*) 20 de janeiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...
(**) 23 de novembro de 2010 >
Guiné 63/74 – P7320: Controvérsias (111): Copá: Quero aqui repor a verdade dos factos! (António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323)
Vd. também postes de:
4 de novembro de 2015 >
Guiné 63/74 - P15327: Louvores e condecorações (10): Os bravos Copá, da 1ª C/BCAV 8323/73, que resistiram durante mais de um mês ao cerco do PAIGC
7 de janeiro de 2015 >
Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)
(...) 7 de janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei
(...) Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado, com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!
E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo.
Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. (...)
(***) Último poste da série > 8 de março de 2016 >
Guiné 63/74 - P15832: Controvérsias (130): O "nosso Cabo Miliciano", que em 1965 ganhava 90 escudos de pré (34,24 euros, hoje), fazendo o serviço de sargento... (Mário Gaspar)